ENCONTROS DE ARTE EDUCAÇÃO - FEVEREIRO

ENCONTROS DE ARTE EDUCAÇÃO

"NARRATIVAS LÚDICAS DA INFÂNCIA - A música e o ritmo, O corpo e a dança, A escuta e o brincar"

EM BREVE!!!

EDUCADORES, PAIS, ARTISTAS, ESTUDANTES E TODOS OS INTERESSADOS EM ARTE, EDUCAÇÃO E LUDICIDADE ESTÃO CONVIDADOS!


Abordando a importância do reconhecimento do brincar como linguagem própria e fundamental da criança e meio por excelência para a construção de conhecimentos sobre si, sobre a relação com o outro e as coisas do mundo. Serão apresentadas aos participantes as contribuições da brincadeira para o desenvolvimento integral, bem como questões presentes na sociedade contemporânea que impedem a concretização de uma infância plena e permeada pela ludicidade.

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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Aprendizagem e subjetividade: Uma construção a partir do brincar



Imagem: Allan - Brincadeira de Criança






O artigo discute o processo de aprendizagem e a subjetividade na perspectiva epistemológica qualitativa. Tem-se como objetivo mostrar o papel do brincar no processo de aprendizagem concebida na interação com o professor. Participaram da experiência, "Oficina do Brincar", cinco professoras e 28 alunos do primeiro ano do ensino fundamental em Sobradinho II, Distrito Federal, com população de baixa renda. Os alunos foram indicados por terem dificuldade de aprendizado. Durante cinco meses, uma metodologia qualitativa com ênfase na observação participativa foi utilizada. No artigo é exposta uma fundamentação teórica sobre o brincar, seguida de relatos de observações, dos quais aspectos particulares foram discutidos a partir de uma perspectiva do brincar como possibilidade de uma produção positiva de subjetividade e não apenas como procedimento didático. Conclui-se que o brincar, como espaço de lazer, deve ser visto como constituinte do sujeito e do desenvolvimento de sua subjetividade.





O objetivo deste artigo é discutir o processo de aprendizagem e a subjetividade. Em nossa concepção, a subjetividade é um processo do indivíduo como sujeito psicológico concreto (GONZALEZ REY, 1999). Concebemos a aprendizagem na interação com o professor, o qual é responsável pela organização dessa relação para desenvolver, simultaneamente com o intelectual, aptidões sociais. O aluno é um ser ativo, capaz de assimilar a realidade externa de acordo com suas estruturas mentais. Assimilar o mundo é transformá-lo, representando-o de forma subjetiva. A aprendizagem deve despertar o interesse, estimulando a curiosidade e a criatividade. Logo, o interesse relacionado à atividade lúdica na escola tem-se mostrado cada vez maior por parte de pesquisadores e, principalmente, de professores que buscam alternativas para o processo ensino-aprendizagem.

Através da brincadeira, a criança tem a possibilidade de experimentar novas formas de ação, exercitá-las, ser criativa, imaginar situações e reproduzir momentos e interações importantes de sua vida, resignificando-os. Os jogos e as brincadeiras são uma forma de lazer no qual estão presentes as vivências de prazer e desprazer. Representam uma fonte de conhecimento sobre o mundo e sobre si mesmo, contribuindo para o desenvolvimento de recursos cognitivos e afetivos que favorecem o raciocínio, tomada de decisões, solução de problemas e o desenvolvimento do potencial criativo. A brincadeira assume um papel essencial porque se constitui como produto e produtora de sentidos e significados na formação da subjetividade da criança. Essa atividade proporciona um momento de descontração e de informalidade que a escola pode utilizar mesmo que isso possa parecer um paradoxo já que o seu papel, por excelência, é o de oferecer o ensino formal, mas tendo também de exercer um papel fundamental na formação do sujeito e da sua personalidade. Portanto, passa a ser sua função inclusive a de oferecer atividades como a brincadeira. Porém, a introdução de um espaço de brincadeira constitui uma atividade que não é fácil de se propor, uma vez que requer o desenvolvimento da habilidade de brincar do professor. Nesse sentido, a criação desse espaço da brincadeira, no qual a relação professor aluno se diferencia daquela da sala de aula, necessita de um aprendizado de ambas as partes.

O trabalho aqui apresentado resulta de uma experiência realizada em uma escola de ensino fundamental, em uma cidade Satélite do Distrito Federal, em Brasília, formada basicamente por uma população de baixa renda.

A experiência objetivava a criação de um espaço com atividades lúdicas no qual professoras e alunos pudessem se relacionar de maneira diferente da de sala de aula. Um espaço que possibilitasse o exercício da autonomia dos alunos através de experiências novas nas quais fosse permitido escolher o que fazer, a partir da apresentação de jogos, papel e lápis para desenho e livros de leitura. Nesse sentido, pretendíamos utilizar o lúdico não apenas como um instrumento didático que auxiliasse na aprendizagem dos conteúdos curriculares. Mas, principalmente, buscávamos ampliar a percepção da professora em relação à brincadeira mostrando a importância desta nos processos de desenvolvimento e aprendizagem, podendo ser utilizada como fonte de diálogo, possibilitando um maior conhecimento sobre seus alunos. Esse espaço também traria a oportunidade de mudança de postura das professoras em relação aos alunos, fazendo com que elas acreditassem na capacidade deles de aprender.


O BRINCAR EM DIFERENTES ABORDAGENS


Entendemos que o termo "lúdico" envolve os termos "jogo" e "brincar". Encontramos na literatura diferentes concepções sobre esses termos. No entanto, podemos dizer que há uma concordância presente em diferentes autores de diversas áreas do conhecimento, em relação ao jogo como sendo um fenômeno cultural, muito antigo, que ocorre tanto na criança como no adulto, de formas diferentes e com funções diferenciadas. O jogo pode ser visto como uma forma básica da comunicação infantil a partir da qual as crianças inventam o mundo e elaboram os impactos exercidos pelos outros.

Huizinga (1934/1971), no seu livro, que se tornou um clássico sobre o jogo, Homo ludens, descreve esse fenômeno como sendo de natureza cultural e não biológico. O jogo tem uma função significante que encerra um determinado sentido. Todo jogo significa alguma coisa que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todavia mesmo reconhecendo o jogo como de natureza e significado cultural, o autor admite que deve haver alguma espécie de finalidade biológica nessa atividade. Para Huizinga, o puro e simples jogo constitui uma das principais bases da civilização, é uma função de vida. No jogo, a criança representa e sua representação, mais do que uma realidade falsa é a realização de uma aparência. Ela joga e brinca dentro da mais perfeita seriedade sabendo perfeitamente que o que está fazendo é um jogo.

O autor não diferencia: o termo cultura do termo civilização. Para ele, a cultura é um jogo no sentido de que surge no jogo. Por fim, o jogo nos é apresentado como estando presente em todas as civilizações e em todas as manifestações culturais como a poesia, o direito, a guerra, o conhecimento e as diferentes formas artísticas. O fator lúdico também faz parte do núcleo central de todo ritual e de toda religião. Só a partir do século XIX é que o jogo parece perder um pouco de espaço nas expressões culturais por causa da revolução industrial que traz o trabalho e a produção como ideais da época. O profissional que surge nessa época não tem mais o espírito lúdico, perdido na falta de espontaneidade. Essa maneira de o autor apresentar o jogo como indiferenciado da civilização, como se tudo fosse jogo, não traz as especificações do jogo como fenômeno.

Para Walter Benjamin (1984), o jogo também é visto como uma atividade muito antiga. O brincar significa sempre libertação. Ao brincar as crianças criam para si o pequeno mundo próprio. Frente a uma realidade ameaçadora, sem perspectivas de solução, liberta-se dos horrores do mundo através do jogo. O jogo, a brincadeira, por mais bem elaborados que possam ser não trazem por si só o lúdico, mas são as próprias crianças, durante a brincadeira, que transformam o momento em um momento lúdico, de fantasia e realidades criadas por elas. Acredita-se erroneamente que o conteúdo imaginário do brinquedo determina a brincadeira da criança, quando, na verdade, acontece o contrário.

Freud (1920/1981) e autores psicanalíticos como Winnicott (1975) e Dolto (1999) contribuem para o entendimento da importância da brincadeira no desenvolvimento da criança. Winnicott, a partir dos seus estudos na clínica infantil, defende a tese de que é necessário se estudar o brincar como um fenômeno que ocorre tanto com a criança como com o adulto nas suas formas diferenciadas. A brincadeira é universal e é própria da saúde, facilita o crescimento, desenvolve o potencial criativo e conduz aos relacionamentos grupais. Nesse sentido, o autor entende o brincar como algo que, por si só, é uma terapia com possibilidade autocurativa. Quando as crianças sentem que os outros estão livres e também podem brincar, elas se sentem confiantes para fazê-lo. Quando a criança não é capaz de brincar, há algo errado, fazendo-se necessário trazê-la para o seu estado natural em que ela possa brincar.

Dolto (1999) também admite o jogo como uma atividade comum a todos os animais e que todos os filhotes dos mamíferos parecem brincar assim como a criança humana, mas ressalta a diferença em relação à criatividade e à variedade do jogo. As atividades dos outros animais são estereotipadas, provocadas por uma necessidade de motricidade da espécie. Ela descreve as diferentes etapas de desenvolvimento da criança em relação aos tipos de jogos de cada uma delas. Para essa autora, o bebê apresenta um dos primeiros jogos de prazer junto ao adulto na brincadeira de esconder o rosto e mostrá-lo de novo. Ela faz referência ao jogo descrito por Freud do Fort. Da! (Sumiu. Achou!), a partir do qual a criança se afirma a si mesma como sujeito da continuidade de seu ser no mundo. Depois aparecem os jogos do perceber e do explorar. Em seguida, vem o jogo que envolve o ter e o guardar no qual a criança enche cestos e malas e leva consigo a passear. Posteriormente aparecem os jogos de construção. Para Dolto, todo jogo é mediador de desejo, traz consigo uma satisfação e permite expressar seu desejo aos outros em jogos compartilhados. O jogo sempre tem regras e quando as crianças brincam entre si, as regras que estabelecem, às vezes, são mais atraentes do que a atividade do jogo mental ou físico em questão. Ocasionalmente, em seus jogos solitários, a criança se impõe regras como forma prazerosa de brincar de contorná-las, chegando mesmo ao prazer de trapacear.

Dolto (1999) ainda acrescenta os momentos aparentemente passivos da criança, vistos pelos adultos, na maioria das vezes, como sendo momentos de perda de tempo que a criança não estaria fazendo nada. Ela alerta para a importância desses momentos mostrando a capacidade inteligente das crianças em contemplar o mundo a sua volta, observando-o, meditando prazerosamente. Se um objeto, ou atividade, interessa à criança, é porque ela encontra um sentido fascinante e lúdico na contemplação e na manipulação do mesmo, e nos pensamentos que ele lhe sugere.

Também através da sua experiência na clínica infantil, Roza (1999) mostrou como o brincar, na perspectiva da psicanálise se torna muitas vezes o único veículo possível de expressão para as crianças. Como meio privilegiado de expressão e de apreensão da realidade, o brincar permite o acesso ao simbólico e aos processos de complexificação da vida. Em seu trabalho, a autora busca um resgate da utilização do método lúdico na psicanálise de crianças, e, para isso, lança mão de outros discursos, como o da filosofia, o da lingüística e o da semiótica defendendo o brincar como um conceito através do qual se processa a organização do sujeito, que desenvolve a linguagem e no qual se dá o aprendizado e o conhecimento do mundo. Roza discute o jogo como sendo em si mesmo linguagem, uma protolinguagem não-verbal, que já é estruturalmente linguagem. Não é evidente que o brincar seja um sistema de comunicação que transmita uma mensagem, mas é uma atividade que pode ou não adquirir essa função.

De acordo com Vygotsky (1984), o brincar não pode ser definido como atividade que dá prazer à criança porque outras atividades dão experiências de prazer mais intensas e outras não são agradáveis e só dão prazer de acordo com o resultado. No entanto, é necessário compreender a brincadeira como atividade que preenche necessidades da criança. Para entendermos o desenvolvimento da criança é preciso conhecermos suas necessidades e interesses para que os incentivos sejam eficazes a fim de promover o avanço de um estágio do desenvolvimento para outro. O brinquedo possibilita a criação de um mundo onde os desejos possam ser realizados através da imaginação. No entanto, a imaginação é uma atividade psicológica específica da consciência humana, presente apenas na criança mais velha. Sendo assim, Vygotsky conclui que no brinquedo a criança cria uma situação imaginária. Na evolução do brinquedo temos a mudança da predominância de situações imaginárias para a predominância de regras. Não existe brinquedo sem regras, mesmo que não sejam regras formais estabelecidas a priori. Nesse sentido, da mesma forma que o brinquedo deve conter regras de comportamento, todo jogo com regras contém uma situação imaginária. O maior autocontrole da criança ocorre na situação de brinquedo e a subordinação a uma regra passa a ser uma fonte de prazer.

Segundo Vygotsky (1984), o brinquedo não é simbolização, mas sim atividade da criança. Isso porque o símbolo é um signo e no brinquedo a criança opera com significados desligados dos objetos aos quais estão habitualmente ligados. Mesmo sem considerar o brinquedo como um aspecto predominante da infância, Vygotsky ressalta a importância dessa atividade para o desenvolvimento mostrando que ela cria uma zona de desenvolvimento proximal, pois, ao brincar, a criança está acima das possibilidades da própria idade, imitando os mais velhos nos seus comportamentos.

Para Wallon (1941/1968), o jogo é uma atividade característica da criança e acompanha o seu desenvolvimento sendo transformado ao longo do tempo. Pode-se destacar fases do jogo a partir das características que possuem e que expressam. Em um primeiro momento são de tipo puramente funcionais, são os movimentos mais simples à procura de efeitos como tocar objetos, produzir sons e ruídos, seguidos dos de ficção, os jogos de boneca, ou similares, que requerem uma atividade de interpretação mais complexa. Os jogos de aquisição que aparecem posteriormente são caracterizados pela percepção e compreensão das coisas, seres, imagens, enfim, do ambiente em volta da criança. Por fim, os jogos de fabricação nos quais a criança transforma objetos, combina-os, cria novos, estando a aquisição e a ficção presentes. O jogo pode parecer uma atividade que contraria o princípio do trabalho sério característico da fase adulta, isso porque implica lazer. A criança desconhece a forma da atividade produtiva do adulto e o jogo assume o lugar primordial nas ações que realiza. No entanto, o jogo pode mobilizar uma grande quantidade de energia comparável a uma atividade obrigatória e muitas vezes apresenta dificuldades na sua execução e compreensão.

Quando uma atividade se torna útil e produtiva, significando um meio para se chegar a um fim, se descaracteriza essencialmente enquanto um jogo. Para Wallon (1941/1968), o jogo envolve "uma finalidade sem fim", ou seja, encontra em si mesmo o próprio motivo e finalidade para a ação de jogar.

Wallon (1941/1968) entende que nas etapas do desenvolvimento da criança pode-se evidenciar atividades explorativas das quais a criança busca tirar proveito de todos os efeitos possíveis. Progressivamente, os jogos atestam o aparecimento das mais variadas funções e experiências, como as sensoriais, as de socialização, de memorização, de articulação e de enumeração.

Em relação ao adulto, o autor considera que o jogo faz um movimento quase inverso, isto é, o adulto ao longo do tempo tende a um estado de desligamento das ações lúdicas, buscando suprir as necessidades produtivas de existência. O trabalho aparece como oposição ao lúdico. Talvez, por essa razão, o adulto experimente momentos repousantes ao lado da criança quando é possível e permitido realizar atividades descompromissadas com o trabalho sério. Por isso, o jogo em sua essência representa uma infração às tarefas práticas da existência, por outro lado, a criança não as ignora nem nega, mas as inclui como necessidades na ação lúdica.

Wallon (1941/1968) analisando a teoria de Freud valoriza-a por reconhecer o caráter da ficção no jogo. As atividades lúdicas teriam antes de tudo um papel catártico, possibilitando momentos de manifestações e expressões da libido reprimida. Dessa forma, há um processo de transferência da realidade à sua imagem através de figurações. Do ponto de vista intelectual, a transposição favorecida pelo jogo desempenha uma função primordial, uma vez que ações simuladas para experiência (simulacros) fazem a passagem entre a circunstância factual e o símbolo, elemento essencial das funções mentais.

O jogo emerge como uma contradição no desenvolvimento da criança: por um lado favorece a libertação das ações habituais do sujeito, mas necessita para sua própria manutenção da imposição de regras fixas. Assim, as dificuldades que as regras do jogo envolvem são uma função em si mesma, não circunstanciais, são elaboradas e direcionadas especificamente para manter o caráter do jogo e o interesse de quem os executa. No jogo, a criança pode reproduzir algumas experiências que acaba de ter, imita e repete impressões, percepções e emoções. Wallon (1941/1968) acredita que as crianças alternam a ficção com a observação e assim são capazes de transformarem-se nos personagens que criam e imitam.


O BRINCAR NA CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE


De acordo com as linhas gerais sobre a conceituação da atividade lúdica apresentada por esses autores, podemos concluir que a brincadeira exerce um papel fundamental na constituição do sujeito ao possibilitar à criança a criação da sua personalidade seja pela busca de satisfazer seus desejos, por exercitar sua capacidade imaginativa, comunicativa, criativa ou emocional.

Nessa perspectiva, o trabalho realizado nas oficinas tinha o entendimento de que a atividade lúdica consistiria de um momento que envolveria tanto o brincar concebido como atividade espontânea prazerosa, como o jogo, enquanto atividade recreativa que envolve regras preestabelecidas. Entretanto, mais do que o brincar e o jogar, também eram previstos momentos que fossem apenas de descontração que possibilitassem um vínculo mais próximo entre os alunos e os adultos, facilitando um diálogo diferenciado do da sala de aula, e que implicaria no desenvolvimento do sujeito a partir de novos conhecimentos, envolvendo sua constituição subjetiva. Esses momentos, por sua vez, deveriam também ser prazerosos para os adultos. Ao possibilitar o acesso à cultura, o brincar permite ao sujeito uma apropriação dos instrumentos culturais, o que proporciona seu desenvolvimento.

Partindo da definição de subjetividade proposta por Gonzalez Rey (1999), esse espaço lúdico poderia se constituir como mais um dentro dos diferentes sistemas de relações do sujeito, que está em constante reconfiguração da sua subjetividade. O sujeito é visto, nessa perspectiva, como sendo o indivíduo concreto, portador de personalidade, ativo, interativo, consciente, intencional e emocional que produz emoções nas atividades que se implica e antecipa com suas emoções sua implicação nelas. A personalidade é vista como um sistema em desenvolvimento constituinte do sujeito e atua como elemento constituinte do seu próprio desenvolvimento da personalidade. A aprendizagem, nessa perspectiva, deixa de ser concebida como um processo isolado acontecendo apenas no aluno, em sala de aula, e passa a ser vista nas diferentes relações e contextos vivenciados pelo sujeito.

Acreditando que o brincar possibilita o desenvolvimento do aluno integralmente na sua subjetividade e que, portanto, não é apenas um instrumento didático facilitador para o aprendizado de conteúdos curriculares, passaremos a analisar alguns aspectos observados durante a "Oficina do Brincar", destacando o processo de mudança em relação ao comportamento observado em alguns dos alunos participantes.


DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA


A experiência foi realizada com um grupo formado por cinco professoras de primeira série e 28 alunos com idades entre 7 e 9 anos, durante o segundo semestre letivo de 2000. Esses alunos foram indicados pelas professoras como necessitando de aulas de reforço porque apresentavam dificuldades de aprendizagem. A proposta consistia em oferecer o reforço através de atividades lúdicas. Essas atividades seriam desenvolvidas em um espaço que seria construído de acordo com as necessidades das crianças, das professoras e minhas enquanto pesquisadora (o projeto também contou com a colaboração de duas alunas estagiárias de psicologia). Seriam, portanto, encontros com atividades diversificadas abrangendo o reconhecimento, no aluno, de suas potencialidades de aprendizagem e suas particularidades como sujeito, não havendo conteúdos específicos. Sendo assim, enquanto pesquisadora, eu tinha como objetivo analisar o processo de subjetivação daqueles alunos nesse espaço que passamos a chamar de "Oficina do Brincar". Nos encontrávamos uma vez por semana, durante o período da tarde, e a cada quinze dias tínhamos uma reunião com as professoras para discutirmos o andamento do trabalho, avaliá-lo e planejarmos novas ações.

Iniciamos os trabalhos com uma discussão sobre o entendimento do que estávamos chamando de atividade lúdica. Apesar da aceitação do trabalho, as professoras se mostravam bastante descrentes da possibilidade de se fazer alguma coisa por aquelas crianças. Elas sempre repetiam que já haviam tentado "de tudo". Diziam que algumas das crianças eram até "portadoras de deficiências mentais e de surdez". Ainda que estivéssemos no início do segundo semestre, as professoras já diziam estar cansadas e bastante desanimadas com a sala de aula e a escola como um todo. Atribuíam o desânimo à "falta de interesse dos alunos para aprender". Para algumas, a proposta da atividade lúdica poderia trazer alguma coisa de diferente, mas tinham dúvidas se não seria melhor o reforço "tradicional", enfocando o conteúdo curricular. Por isso, achamos importante esclarecer nossa visão sobre a atividade lúdica e também conhecer a opinião do grupo antes de começarmos as atividades.


RELATO DAS OBSERVAÇÕES NA "OFICINA DO BRINCAR"


Partindo da visão de que o brincar possibilita o desenvolvimento do aluno integralmente na sua subjetividade e que, portanto, não é apenas um instrumento didático facilitador para o aprendizado de conteúdos curriculares, passaremos a analisar alguns aspectos observados durante a "Oficina do Brincar", destacando o processo de mudança em relação ao comportamento observado nos alunos participantes.


DIFICULDADE NA UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO LÚDICO PELAS PROFESSORAS


O nosso primeiro encontro na "Oficina do Brincar" com as professoras e os alunos mostrou que apesar de termos discutido diversas vezes sobre o objetivo dessas oficinas, as professoras não haviam entendido que naquele espaço os alunos fariam suas escolhas das atividades que quisessem a partir de alguns jogos, brincadeiras, livros e material para desenhar. Isso ficou claro no primeiro dia, quando elas arrumaram as carteiras para que os alunos se sentassem como se estivessem na sala de aula e pediam para que aguardassem em silêncio, evidenciando uma dificuldade em utilizar, na escola, um espaço lúdico, o que também pareceu estranho para os alunos. No primeiro momento, eles se mostraram bastante tímidos, calados e pareciam não estar entendendo o que era para fazer. As professoras também não estavam à vontade e se aproximavam dos seus alunos pedindo que prestassem atenção no que ia ser dito. Comecei com uma dinâmica de apresentação na qual cada um tinha que falar o nome e alguma coisa de um colega. Aos poucos foram relaxando e alguns chegaram a ficar bem descontraídos. Em seguida, apresentei os jogos, as brincadeiras, lápis, papéis e alguns livros que havia levado e disse que eles podiam escolher qualquer coisa para fazer. Eles não tomaram iniciativa e, então, propus um jogo do qual todos pudessem participar. Foi interessante observar que a situação de liberdade de escolha era tão inusitada que eles ficaram paralisados sem saber aproveitá-la. No início, os alunos participaram do jogo timidamente, mas aos poucos foram descontraindo e, no final, já mostravam um certo entusiasmo. As professoras ajudavam seus alunos e muitas vezes resolviam por eles o que fazer no jogo.

No segundo encontro, levamos um material para fazer os crachás com os nossos nomes. Uma professora ia escrevendo os nomes e pedimos para que cada um fosse amarrando o cordão em volta do pescoço. Eles mostraram interesse e naturalmente ajudavam aqueles com mais dificuldades. Eles fizeram comentários sobre o fato de estarmos usando também os crachás. Colocamos os nossos nomes e a partir desse dia os alunos começaram a nos chamar pelo nome, sem o "tia". Depois de algum tempo, as professoras se deram conta de que nas oficinas os alunos não as chamavam por tia.


OBEDECER OU ESCOLHER?


Valter, um aluno da primeira série, diagnosticado como tendo problemas de aprendizagem por causa de deficiência auditiva, mostrou-se cooperativo ajudando os colegas com o crachá. Não me pareceu ter nenhuma dificuldade para nos escutar. Sua professora, Elizabete, fez comentários elogiando-o, mostrando espanto ao vê-lo se comportando daquela maneira. Ela achava que ele também tinha problema de memória e por isso não conseguia aprender. Os alunos, ainda um pouco tímidos, brincaram com os jogos que havíamos colocado em alguns cantos da sala, permanecendo na mesma brincadeira durante todo o tempo. A professora Elizabete achou que eles estavam muito tempo fazendo a mesma coisa e disse que seria bom aproveitarem para desenhar. Os alunos pareciam estar se divertindo com os jogos, mas prontamente aceitaram a sugestão. Nesse momento, aproveitei para dizer que naquele lugar eles podiam escolher o que quisessem e eles disseram que queriam desenhar. Não ficou muito claro se eles realmente queriam desenhar ou se acataram a idéia como um comando. As professoras não permitiram o desenho livre, explicando que eles deveriam desenhar primeiro com lápis preto e depois pintar com os coloridos, pois se errassem podiam apagar. Mais uma vez, intervim dizendo que às vezes eles podiam achar melhor desenhar primeiro e outras vezes usar direto os lápis coloridos. Valter coloriu o papel, aparentemente, sem nenhum propósito, criando algo parecido com um mosaico que me fez lembrar Picasso. Recolhi os desenhos e observando a pintura do Valter, decidi levar um livro de quadros famosos do Picasso no encontro seguinte para mostrar maneiras distintas de se expressar através do desenho.

Comecei o encontro falando sobre Picasso e fui mostrando o livro com alguns de seus quadros em suas diferentes fases. No início, os alunos e as professoras pouco falavam. Então, fui chamando a atenção para alguns detalhes fazendo comentários sobre o que eu achava dos quadros. Mostrava-os dizendo o nome dado por Picasso e às vezes pedia para que dissessem como achariam que seria o nome do quadro. Minha intenção era mostrar que o pintor fazia o quadro do seu jeito e o que podia parecer para nós uma coisa, podia ser outra para o autor. Também destaquei a idéia de que as coisas não precisavam ser representadas de uma única maneira. Aos poucos, eles também começaram a opinar e concordavam ou não com o que eu estava dizendo. Demorou mais tempo, mas as professoras também lentamente começaram a fazer comentários dando suas opiniões. Depois pedi licença a Valter para mostrar seu desenho e perguntei se ele tinha pensado em desenhar alguma coisa. Ele contou que aquele era o desenho da sua casa. Algumas professoras riram, porém os colegas ficaram sérios. Depois, os que foram desenhar fizeram suas casas. Uns desenharam como se fosse uma "planta baixa" e outros apenas a fachada da casa. Conversei com alguns alunos sobre seus desenhos. Aos poucos, os alunos começaram a participar com mais interesse nas atividades, mostrando iniciativa e faziam suas escolhas frente às opções apresentadas.

Pedia às professoras que ajudassem com os jogos. No início, elas não conseguiam brincar com os alunos demonstrando impaciência em aceitar as dificuldades deles com alguns jogos. Por exemplo, no dominó elas olhavam as peças dos alunos e se adiantavam dizendo qual delas ele deveria colocar.


AQUECIMENTO


Nos encontros seguintes, passei a começar a oficina sempre falando de um pintor famoso, mostrando algumas de suas obras através dos livros que levava. Essa foi a forma encontrada para servir como "um aquecimento" nos nossos encontros de maneira a descontrairmos. Por fim, vimos livros sobre Picasso, Van Gogh, Renoir, Monet, um livro sobre os impressionistas, um sobre desenhos e pinturas de crianças mexicanas retratando o seu país, Botero, Modigliani, Miró e Velasquez. A partir desses livros surgiram momentos muito interessantes criados pelos alunos. Por exemplo, desenhos a partir de temas dos livros; discussões: sobre mulher bonita (de uma maneira geral eles não gostaram das figuras exageradas de Botero), sobre sexo (a partir dos nus artísticos), sobre modos de se vestir (principalmente a partir das vestimentas das crianças retratadas por Velasquez) e sobre diferentes técnicas de pintar. Criamos também uma oficina para a produção de seus auto-retratos.

Depois de quase dois meses de oficina, Valter e Danilo (diagnosticado pela equipe psicopedagógica da Fundação Educacional como deficiente) trouxeram recortes de revistas com quadros dizendo que eram parecidos com os dos livros que eu levava. Mostrei na nossa roda inicial e esse fato se repetiu em outros dias quando eles também trouxeram recortes de jornal com histórias para eu ler. Uma delas, sobre uns meninos que estavam apedrejando umas rãs. Houve muita participação dos alunos com muitas perguntas interessantes. Alunos como Alice e Tadeu, que são muito calados, surpreenderam suas professoras pelo tanto que falavam e faziam perguntas

Em vários encontros, alguns alunos pediam para escrever e outros chegaram a fazer cópias dos livros dos pintores que em sua maioria eram em francês. Eles se sentiam muito importantes fazendo essas cópias em outra língua. Também copiavam palavras dos jogos e brincávamos muito de "forca". Nesses momentos, as professoras se mostravam mais à vontade para estimulá-los a escrever.


A FALA SOBRE A PRÓPRIA PRODUÇÃO


A partir de um dado momento, os alunos mostraram necessidade de falar sobre seus desenhos, o que queriam dizer, como tinham feito e perguntavam o que achávamos deles. Fizeram comentários sobre os auto-retratos vistos nos livros e assim criamos uma oficina para realizar os seus. Para fazer o auto-retrato, um aluno disse que não conseguia porque não estava se vendo. Então, emprestei-lhe um espelho e, assim como os colegas, mirava-se e desenhava. Uma aluna de cabelos lisos se retratou de cabelos encaracolados. Sua professora viu e perguntou porque ela tinha feito daquele jeito. Então respondeu que aquela era ela quando fosse grande porque queria ser igual à professora com os cabelos encaracolados.


LEITURA E ESCRITA


Como um dos jogos era com letras, muitas vezes os alunos e as professoras acabavam por priorizá-los. Aos poucos, os alunos foram preferindo brincar sempre com jogos que envolviam as letras criando novos jogos. Então, passamos a brincar com fichas de sílabas para formar palavras. Eles ficaram interessados e logo passaram a juntar as sílabas formando palavras que reconheciam, mas também formavam palavras sem sentido o que fazia com que se divertissem mostrando aos colegas os "palavrões" que obtinham. O interessante foi que assim eles liam todas as sílabas. Um dia um dos alunos foi juntando sílabas de um lado da sala ao outro. Então, os outros se aproximaram e já criaram uma regra de cada um ter que formar uma fileira de sílabas e depois ler. Eles riam muito com os sons esquisitos produzidos. As professoras preferiam que eles formassem palavras com significados que pudessem reconhecer e depois copiassem no papel. No começo, eles faziam como elas queriam, mas depois preferiam formar os "palavrões", como costumavam dizer, sem ter que copiá-los. Valter mostrou a sua professora que tinha formado a palavra BOLA e ela lhe pediu que copiasse no papel. Ele escreveu com muita dificuldade e, no final, suspirou sacudindo o braço mostrando-se bastante cansado. Além do jogo com letras, os alunos mostravam, de maneira geral, uma preferência pelos jogos de memória e pelo dominó.


PRODUÇÃO DE TEXTO


Em uma oficina produzimos um texto depois de termos lido um livro com uma pequena história. O interessante da atividade foi que a criação desse texto foi feita com frases copiadas do texto de origem. Os alunos mostraram uma capacidade de memória surpreendente, mas as professoras acharam ruim eles não terem inventado outra história. Todos eles quiseram copiar a história e Valter e Danilo mostraram muita dificuldade, mas estavam tentando. Eles ficavam tensos e quando não conseguiam ficavam nervosos e como as professoras diziam, logo desis-tiam. Fui passando pelas mesas e tentei acalmá-los pegando em suas mãos, fazendo as letras com eles. Aos poucos foram conseguindo, mas o esforço era tão grande que chegavam ao cansaço físico. Depois dei a idéia para que desenhassem alguma coisa sobre a história e prontamente eles o fizeram. Outros alunos disseram que não conseguiam desenhar e pediram para copiar passando o lápis na folha por cima do desenho do livro. As professoras acharam que não devíamos deixar que fizessem isso, mas eles pediram e elas acabaram concordando. Alguns demoravam muito com o livro e criou-se uma disputa entre eles acerca do tempo que cada um deveria ter para copiar. Por fim, vários deles resolveram desenhar sem copiar. Parecia haver sempre uma preocupação das professoras para que os alunos fizessem as coisas diferente dos modelos.

Danilo começou a se mostrar mais falante, mais participativo, discordando de algumas atividades. Um dia, quando eu estava fazendo mais fichas com sílabas, ele disse que o meu "J" não estava correto e que iria fazer um, do jeito dele, que era o certo. Na apresentação do livro sobre os impressionistas, Danilo, que no início das oficinas seria encaminhado para o ensino especial por sua professora, disse que Renoir era o mais parecido com Monet, mostrando os quadros que achava parecidos (principalmente os que tinham flores). Ele identificou um quadro do Renoir dizendo que já o conhecia do outro livro que tinha levado e Valter reconheceu um do Picasso e disse que ele era diferente dos outros impressionistas: "Renoir parece mais com Monet do que o Picasso". Valter também quis mostrar que a ponte do quadro de Monet era parecida com outra de outro livro que tinha levado.


PREFERÊNCIAS ESTÉTICAS


A cada oficina que passava os alunos se mostravam mais descontraídos, mais soltos com uma postura mais autônoma e crítica e ficava mais divertido brincar com eles pois estavam sempre dizendo muitas "gracinhas", o que nos levava a estar sempre rindo. Quando chegavam alunos novos percebíamos com facilidade a diferença de comportamento em relação à postura mais autônoma e crítica, principalmente quando estavam vendo os livros de pinturas. Os mais antigos se posicionavam com mais desenvoltura e emitiam suas opiniões elegendo os quadros mais bonitos e alguns já começavam a justificar suas preferências. Heitor, um aluno muito calado, surpreendeu sua professora ao reconhecer figuras nos desenhos abstratos. No jogo de dominó eles imitavam os adultos na maneira de pegar as peças e bater na mesa. Uma vez, uma professora comentou que eles estavam fazendo muito barulho para jogar, então Jair respondeu que era assim mesmo que tinha que se jogar, "é do jogo". Jair começou a participar das oficinas depois de um tempo, teve um pouco de dificuldade para se entrosar com o grupo, mas aos poucos foi falando e se interessando pelos livros. Quando estava vendo o livro do Velásquez fez questão de mostrar um quadro dizendo que era "uma natureza morta". Mas, não era como o autor tinha definido, então expliquei que parecia uma natureza morta por causa das frutas em cima de uma mesa, mas havia umas pessoas em volta da mesa e o autor tinha chamado o quadro justamente de "Pessoas em volta da mesa". Logo em seguida apareceu de fato uma "natureza morta" e ele imediatamente o identificou dizendo: "agora é natureza morta mesmo". Sua professora achou muito engraçado e falou: "você aprendeu mesmo o que é natureza morta". Ele ficou muito feliz e passou a se posicionar cada vez mais com muito bom humor.

Apenas um aluno, Aluísio, em uma das oficinas, pediu para irmos mais depressa com o livro de pinturas porque já estava passando o tempo e ele queria brincar com os jogos. O interessante é que ele não brincava muito e sempre estava muito sério. Quando fez seu auto-retrato os colegas comentaram que ele tinha cara de mau, mas ele retrucou que ele não era mau, mas apenas sério.

Alguns dos alunos que já sabiam escrever, deram-me desenhos com dedicatória. Felício fez um parabenizando o trabalho que eu estava fazendo com eles.


REFLEXOS NA VIDA FAMILIAR


No último mês, as professoras comentaram que várias mães e até mesmo uma avó estavam vindo à escola e mostravam interesse em conversar sobre seus filhos. Queriam contar o que eles estavam fazendo em casa e como estavam mais calmos. Esse fato de estarem mais calmos estava sendo observado pelas professoras em sala de aula, o que fez com que eles consiguissem terminar a tarefa no mesmo tempo que os outros.

A partir do que aconteceu nas oficinas, pudemos levantar algumas considerações em relação ao nosso pressuposto de que a brincadeira favorece o desenvolvimento integral do aluno na sua subjetividade, principalmente levando-se em consideração o que foi relatado pelas professoras nas discussões avaliativas das oficinas.


REUNIÕES COM AS PROFESSORAS: DISCUSSÕES AVALIATIVAS DAS OFICINAS


As reuniões quinzenais com as professoras sempre contavam com a presença de outras professoras que não faziam parte das oficinas, mas achavam interessante e proveitoso participar das discussões. Esse fato tinha uma relevante importância, ao meu ver, uma vez que mostra a diferença de postura daquelas envolvidas no processo e as que não estão. Muitas vezes, as discussões se davam na questão da descrença do que estava acontecendo, ou seja, as professoras das oficinas se empolgavam com o que estava acontecendo e falavam das mudanças dos alunos com tanta empolgação que as outras acabavam reagindo dizendo que isso só era possível dado ao pequeno número de participantes. Em outras ocasiões, quando eu apresentava questões teóricas, as professoras das oficinas eram as que faziam análises reflexivas com o que acontecia nas oficinas.

Desde o início, as professoras perceberam que nas oficinas não estariam trabalhando com conteúdos específicos de sala de aula e isso fez com que se preocupassem devido às cobranças que poderiam ser feitas pela coordenação e pela direção. Elas argumentavam que no final do ano o importante para os diretores era ver se os alunos estavam no nível dos demais e se poderiam passar de ano. Não importaria se estivessem mais autônomos, mais criativos e nem mesmo mais interessados em aprender os conteúdos exigidos. Mas, eu percebia que essa preocupação não era apenas com a direção. Havia também uma angústia delas em relação a acreditar no que estavam fazendo e sempre diziam que "os alunos estão mudando muito, mesmo em sala de aula, mas ainda não sabem ler e escrever". A professora Elizabete era a única que desde o início dizia: "é isso mesmo, demora, mas a coisa vai acontecer naturalmente". Nesses momentos, aproveitava para trazer elementos das teorias do desenvolvimento e da aprendizagem baseadas em Vygotsky e Wallon para fundamentar a prática pedagógica.

O discurso das professoras em relação às dificuldades dos alunos era sempre o de culpar a família que não fazia nada pelos filhos. Elas diziam que os alunos já vêm de casa com "maus hábitos, são mal educados e agressivos" e que não podem fazer nada para mudar, pois precisaria mudar a família primeiro. A partir do processo de mudança ocorrido nas oficinas, as professoras, em sua coerência, atribuíam as mudanças dos alunos ao simples fato deles terem mudado. Elas não se viam como sujeitos envolvidos no processo dessa mudança. Então, passei a fazer discussões em que pudessem perceber que todos nós estávamos mudando e que isso se dá num processo muito complexo que não cabe a um fato determinado. O crescimento daqueles alunos em relação ao que estávamos valorizando no processo de aprendizagem estava ocorrendo por uma série de fatores. Essas mudanças, por fim, acabaram se refletindo nas famílias, no fato de elas estarem vindo à escola com mais freqüência. E, mais uma vez, as professoras não viam a mudança no relacionamento com a família. Comentei que fica mais fácil para os pais virem à escola quando o professor diz que seu filho está aprendendo do que quando é para ouvir que ele vai ser visto por uma psicóloga para passar por uma avaliação psicopedagógica porque tem problemas de aprendizagem.

Em relação às oficinas, as professoras admitiram ter dificuldades em saber brincar com os alunos e diziam ser muito difícil esperar que eles tomassem a iniciativa. Reconheceram que os alunos faziam coisas nas oficinas que não conseguiam em sala de aula. Por exemplo, eles não desenhavam, não queriam ilustrar os trabalhos e não participavam das aulas da mesma forma, opinando sobre o que estavam aprendendo. Nas oficinas, elas diziam que eles eram disciplinados, mas quando estavam com os colegas, em sala de aula, se comportavam de forma bem diferente. Percebia que elas ainda se sentiam inseguras para mudar de postura em sala de aula, mas reconheciam que os alunos estavam mudando e começavam a aceitar que seriam capazes de aprender. Já não falavam mais de mandá-los para o ensino especial. O único problema era o tempo, pois estava chegando o final do ano e elas não sabiam se eles deviam ir para a série seguinte ou se deviam repetir o ano. Discutimos muito sobre isso. Umas pensavam ser importante eles não ficarem retidos na mesma série, já que acreditavam que estavam avançando e, portanto, podiam acompanhar a turma. Outras eram de opinião que seria preciso repetir o ano para que aprendessem "melhor" e não viriam a ter problemas no ano seguinte com outra professora. O importante era que todas reconheciam que os alunos haviam mudado e também reconheciam que os momentos lúdicos vivenciados nas oficinas também podiam ser vividos em sala de aula. Ou seja, reconheciam que seria importante proporcionar momentos de descontração para os alunos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Finalizando, poderíamos dizer que as oficinas do brincar permitiram um espaço de descontração onde os alunos estabeleceram novas relações, novas descobertas que permitiram o seu aprendizado e o desenvolvimento a partir dessas mudanças, nas relações entre professora e aluno e aluno-aluno. As oficinas permitiram a mudança de postura tanto dos alunos como das professoras diante das situações de sala de aula, fazendo com que a aprendizagem despertasse o interesse, e que surgissem novas zonas de sentido que estimulavam a curiosidade e a criatividade, pois à medida que os alunos e as professoras vivenciavam essas experiências nas oficinas eles transformavam-nas representando-as de forma subjetiva.

Com os livros de arte, estávamos utilizando uma abordagem projetiva como forma de estimular a liberdade e a espontaneidade da expressão dos alunos. Os livros estimulavam respostas livres que permitiam às professoras um maior conhecimento das opiniões e sentimentos dos alunos expressos através das suas atitudes. Isso mostra o caráter de ficção na atividade lúdica e seu papel catártico como reconhece Wallon (1941/1968) ao analisar a teoria de Freud.

Não tínhamos como objetivo fazer um estudo sobre aquelas crianças. No entanto, partindo da idéia desenvolvida por Wallon (1941/1968) de que os jogos estimulam funções mentais importantes para o aprendizado, nosso objetivo era mostrar às professoras que através do "brincar" era possível fazê-las aprender o conteúdo de sala de aula.

A dificuldade das professoras em brincar com seus alunos, observada nas oficinas, pode evidenciar a crença de que o brincar se opõe ao trabalho sério como nos mostra Wallon (1941/1968). Sendo assim, o momento de descontração pode ser visto como uma infração ao trabalho pedagógico "sério" que deve ser desenvolvido em sala de aula. No entanto, o que constatamos foi que a brincadeira permitiu aos alunos o desenvolvimento de suas funções mentais ao favorecer a transposição de ações simuladas para as factuais. Como exemplo podemos citar o jogo com a formação de palavras no qual a criança, em situação descontraída, construía suas hipóteses sobre a escrita.

Acreditamos que o momento lúdico, como espaço de descontração, na escola, deve ser visto como constituinte do sujeito, o qual, a partir de vivências que experimenta, constrói suas relações interpessoais. O sujeito é desenvolvimento e processualidade permanente sem nunca ficar estático em sua condição subjetiva atual. Então, a escola, ao oferecer espaços como esse, possibilita novas oportunidades para o desenvolvimento da subjetividade.





REFERÊNCIAS


BENJAMIN, W. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. [ Links ]

DOLTO, F. As etapas decisivas da infância. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [ Links ]

FREUD, S. Mas alla del principio del placer. In: ______. Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1920/1981. vol. III. [ Links ]

GONZALEZ REY, F. L. La Investigacion Cualitativa en Psicología. São Paulo: EDUC, 1999. [ Links ]

HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: USP, 1934/1971. [ Links ]

ROZA, E. S. Quando o brincar é dizer: a experiência psicanalítica na infância. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999. [ Links ]

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. [ Links ]

WALLON, H. L'évolution psychologique de l'enfant. Paris: Armand Colin, 1941/1968. [ Links ]

WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. [ Links ]





Fonte:

PEDROZA. Regina Lúcia. Aprendizagem e subjetividade: uma construção a partir do brincar Rev. Dep. Psicol.,UFF v.17 n.2 Niterói jul./dez. 2005




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