ENCONTROS DE ARTE EDUCAÇÃO - FEVEREIRO

ENCONTROS DE ARTE EDUCAÇÃO

"NARRATIVAS LÚDICAS DA INFÂNCIA - A música e o ritmo, O corpo e a dança, A escuta e o brincar"

EM BREVE!!!

EDUCADORES, PAIS, ARTISTAS, ESTUDANTES E TODOS OS INTERESSADOS EM ARTE, EDUCAÇÃO E LUDICIDADE ESTÃO CONVIDADOS!


Abordando a importância do reconhecimento do brincar como linguagem própria e fundamental da criança e meio por excelência para a construção de conhecimentos sobre si, sobre a relação com o outro e as coisas do mundo. Serão apresentadas aos participantes as contribuições da brincadeira para o desenvolvimento integral, bem como questões presentes na sociedade contemporânea que impedem a concretização de uma infância plena e permeada pela ludicidade.

Para mais informações acesse: www.ateliegiramundo.com ou envie uma mensagem para contato@ateliegiramundo.com

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

No mundo do faz de conta







A capacidade de simbolizar é primordial para o desenvolvimento do pensamento e da linguagem 

Para as crianças é só mesmo brincadeira. Mas para o professor, deve ser visto como assunto sério. O faz de conta que acontece naturalmente entre as crianças das mais variadas idades é uma forma de aprendizado sobre si mesmas e o mundo. Essa brincadeira deve, portanto, ser respeitada, observada, registrada e até mesmo incentivada por parte da escola.

A terminologia pode variar um pouco de acordo com o autor – alguns chamam de jogos dramáticos, outros de jogos simbólicos, protagonizados ou de papéis. Mas por trás dos diferentes nomes há sempre a mesma lógica: as crianças recriam sua realidade de forma espontânea através de sistemas simbólicos; usando imaginação e fantasia, elas se desprendem do tempo-espaço em que se encontram para atribuir outros papéis a si, aos outros e a objetos diversos. 

A importância do jogo

Por mais que muito se fale sobre a importância do brincar, nunca é demais dar argumentos extras sobre a importância desse ato tão prazeroso entre os pequenos. Afinal, muitas vezes os momentos livres em que as crianças podem brincar à vontade são desvalorizados pelos próprios professores, assim como pelos pais. Há uma busca constante por passar “conteúdos”, atividades dirigidas, alfabetizar o quanto antes. Mas estudiosos da psicologia e da pedagogia são unânimes em afirmar que o brincar ajuda no desenvolvimento motor, cognitivo, emocional e social das crianças. 

Isso porque praticamente todo tipo de jogo permite que a criança se aproxime dos colegas, se relacione com os outros. Eles também levam à evolução da motricidade, desde a habilidade de conseguir andar, correr, circular sem bater nos outros, até melhorar a coordenação motora fina ao manusear objetos delicados. 

Quando se trata do jogo dramático, há ainda algumas importantes especificidades. Segundo Peter Slade, uma das referências no estudo do faz de conta infantil, esse tipo de jogo permite à criança relaxar, trabalhar, ousar, experimentar, criar e absorver, em resumo, permite a ela pensar. Isso mesmo: é pelo jogo dramático que a criança desenvolve e exercita sua capacidade de pensar. Ao inventar uma história, a criança aprende a encontrar respostas para questões reais por ela mesma.

“A capacidade de simbolizar é uma das funções mentais superiores – os outros animais não representam, não simbolizam. Atribuir a uma coisa um significado que não lhe é próprio é o mecanismo de desenvolvimento do pensamento e da linguagem”, explica a professora Maria Angela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “É no mundo de faz de conta que a criança aprende sintaxe, semântica e pragmática, ou seja, as regras, os significados e o uso correto.”

Um ponto relevante dos jogos simbólicos é que eles são espontâneos, de autoria da própria criança, e não uma atividade que precisa ser dirigida. Ainda assim, eles ensinam os pequenos a respeitar regras. “Para brincar de faz-de-conta, a criança precisa lidar com as regras da sociedade. A brincadeira não é completamente livre, porque ao assumir um papel social a criança precisa respeitar o conjunto de elementos que, para ela, caracterizam aquele papel”, diz Fatima Guerra, Ph.D. em educação infantil e professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). 

Ao representar uma professora, um pai ou um bebê, a criança passa a imitar ações que são próprias daquelas pessoas. Há, portanto, um peso moral e de valores, assim como uma boa dose de conhecimento sobre o mundo por trás da diversão. 

Por isso, o jogo simbólico não deve ser confundido com o teatro, na forma social com que o concebemos. O jogo dramático não se baseia em um texto prévio, que muitas vezes confunde ou paralisa a criança. Da mesma forma, no faz de  conta não se pode falar em encenação, pois a criança fica completamente absorta – ela vive, não representa. Como explica Pierre Leenhardt, trata-se de um exercício que se esgota ao realizar-se: “O jogo dramático tem seu benefício exclusivo para a criança, longe do veredicto de um público”, diz na obra A criança e a expressão dramática. 

Enfim, o jogo dramático não tem como finalidade conduzir a um espetáculo teatral, a uma dramatização construída e organizada, embora as crianças se utilizem da dramatização. O teatro, por sua vez, tem como base o jogo dramático, o faz de conta. Ele, no entanto, exige mais elaboração e a mediação de um adulto – não vem da iniciativa das próprias crianças.

O papel do docente

Apesar de ser uma forma sincera de se expressar, o professor deve ter sempre em mente que, para a criança, o jogo simbólico não tem nenhum objetivo explícito ou consciente. Além de ser uma forma de autoexpressão, pela representação espontânea a criança revela – e também resolve na própria brincadeira – conflitos interiores, medos e angústias. O faz de conta tem como função inerente ajudar a criança a assimilar a realidade, embora do ponto de vista infantil seja apenas diversão. 

Em resumo, quem está brincando, absorto por seu mundo de imaginação, não está preocupado com plateia, nem querendo comunicar nada a ninguém. Logo, o papel do docente deve ser o de intermediar conflitos entre o grupo e registrar o que se passa, sempre com o mínimo de intervenções e perguntas. 

“Crianças pequenas adoram brincar com água e areia e é uma brincadeira excelente porque ninguém fica perguntando: ‘O que é essa figura que você fez com a massinha? O que significa esse seu desenho?’ Às vezes ela está apenas buscando entender as regras do mundo, percebendo possibilidades, dando vazão a uma necessidade de movimento”, diz a professora da UnB Fatima Guerra. “Cabe ao professor observar sistematicamente o comportamento da criança e registrar. Depois, pode tentar entender o significado daquilo. Perceber, por exemplo, se a criança assume sempre o mesmo papel na brincadeira, seja de subalterno, seja um muito ríspido”, aconselha. 

Segundo Fatima Guerra, é no jogo simbólico que a criança dá dicas sobre quem ela é para além dos rótulos de agitada, calma, briguenta, lenta, etc e também demonstra como aprende melhor. “O professor vai percebendo que as crianças não são todas iguais, entendendo que tipo de estímulo pode funcionar com cada uma”, afirma. 

Por isso, vale o alerta: o momento dos jogos simbólicos deve ser livre, pois eles têm sentido apenas se forem espontâneos e de improviso. “Não é para pedagogizar a brincadeira, para querer levar conteúdo naquela hora. Se for assim, não é brincadeira. O professor deve esperar outro momento oportuno”, recomenda Maria Angela, professora da PUC. 

A melhor forma de interferir no jogo deve ser, na realidade, permiti-lo. “Para favorecer a aprendizagem por meio do jogo dramático o professor pode organizar contextos que sirvam de mediação. Isso significa organizar um espaço de brincar, dar elementos que façam relação com a realidade que a criança normalmente vive”, diz Maria Angela. 

De acordo com a professora da Faculdade de Pedagogia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) Maria do Carmo Monteiro Kobayashi, que ministra a disciplina “Jogos e brincadeiras no contexto escolar”, para nutrir as habilidades e vontades naturais das crianças para o faz de conta, a escola precisa se preocupar com quatro fatores: montar espaços para o brincar, dar tempo para brincar, oferecer objetos adequados para as brincadeiras e ter profissionais com formação lúdica. 

“O último item envolve todos os demais. O profissional deve estar preparado para dar o devido tempo ao brincar, saber que não adianta montar espaços sofisticados, comprar brinquedos caros, mas que brinquem pela criança. Devem ser pessoas com sensibilidade, que se reconciliem com a própria infância”, afirma Maria do Carmo. “O professor também pode assumir o papel de apresentar e orientar sobre objetos para as brincadeiras. Não adianta oferecer uma bola pesada dentro de uma sala pequena e depois dizer que as crianças não sabem brincar.”

Primeiros sinais

Com a representação corporal mesmo crianças muito pequenas, que ainda não dominam a linguagem oral, conseguem se expressar. Ao presenciar um pedaço de pano transformado em uma boneca ou um toco de madeira em um avião nas mãos da criança, temos certeza de que ela já está efetivamente brincando de faz de conta. Mas é difícil estabelecer um marco inicial para esses jogos. 

Segundo Piaget, as primeiras formas de faz de conta surgem a partir dos 2 anos, quando a criança ultrapassa a barreira da simples percepção (que necessita de contato direto com o real) para o nível da representação e da função simbólica (pelo processo de interiorização da imitação seu pensamento passa a ser dominado pelos simbolismos). 

Para Jerome Bruner, essa fase – chamada por ele de representação icônica – se iniciaria apenas aos 3 anos. Henri Wallon também acredita que é somente no Estágio do Personalismo, que vai dos 3 aos 5 anos, que a criança realmente é capaz de perceber os papéis diferentes dentro do universo familiar e da sociedade e, portanto, entrar no faz de conta. Antes disso, a criança agiria apenas por imitação.

A maioria dos teóricos tradicionais da Educação, no entanto, presenciaram uma realidade bastante diversa da que se tem na infância atual. Ser criança é diferente em cada época e hoje, mais do que nunca, as crianças vêm recebendo inúmeros estímulos desde muito cedo, o que tem alterado as idades em cada fase de desenvolvimento previstas por eles. 

Fatima Guerra, da UnB, concorda que os jogos simbólicos vêm junto com a noção do “eu”. “Quando a criança começa a falar ‘é meu’, ‘é para mim’, ‘dá pro nenê’, ela já sabe que existe um eu diferente dos outros e, então, pode começar a se colocar no lugar dos outros”, explica Fatima. Mas por volta de 1 ano e meio já é comum as crianças fazerem essa distinção entre o eu e os outros. 

Maria Angela, da PUC, lembra ainda que os rudimentos das brincadeiras de faz de conta estão sendo presenciados em alguns estudos ainda antes, por volta dos 12 e 14 meses de vida. “Se você pergunta a uma criança: ‘Como é que faz um passarinho?’, e ela tenta representar sozinha, inventando uma forma com o corpo dela que se pareça com o bicho, isso já é faz de conta. Mas o auge dessa brincadeira se dá mesmo entre 2 anos e meio e 5 anos, durante a chamada pré-escola”, afirma.



Autora: Luciana Alvarez

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